"A cada visita-vivência-apresentação, um novo museu, um espetáculo diferente"
Entre documentos oficiais, narrativas biográficas, movimentos coletivos e vivências performativas, Museu do Que Somos convida o público a experienciar o lugar de curador de uma exposição e construir um museu que exponha não apenas sua memória, mas sobretudo os contextos do vivido e as peças do presente.
Com direção e dramaturgia de Luiz Antônio Sena Jr., a obra mistura teatro, performance e museologia criando um ambiente onde o espectador é convocado a se colocar como curador, auxiliando, sugerindo e compondo o Museu do Que Somos.
Nesse sentido, discute questões sociais urgentes como a perspectiva de comunidade, a hegemonia das narrativas, as representações afetivas, os impactos do colonialismo e as camadas de registro e exposição a qual temos vivido em meio a digitalização da humanidade. Em cena, os atores Anderson Danttas (Ruína de Anjos, Flor de Julho, Dandara), Muri Almeida (Banzo, Lola Apple) e Rafael Brito (Desviante, Afronte-Akulobee, PARA-ÍSO), atuam num misto de curadores, mediadores culturais e obras vivas, vestindo muitos personagens de si para, a partir de suas histórias, refletir com o público:
“O que somos como humanidade?”
“Qual é o patrimônio que temos construído para as gerações futuras?”
“Como dou conta do legado de meus ancestrais?”
As presenças corporais e imateriais LGBTQIAPN+, negras, indígenas, do interior para o mundo – são eixos de discussão e da curadoria feita com o público.
A cada visita-vivência-apresentação, um novo museu, um espetáculo diferente. Entre cena e exposição, legado e performance, presença e representação, Museu do Que Somos é uma obra construída no limite, na fronteira, na margem. Cada “”peça”” exposta é uma tentativa de colocar em evidência histórias coletivas.
A cenografia, também assinada por Luiz Antônio Sena Jr., se funde a iluminação de Marcus Lobo e ao figurino de Guilherme Hunder – criado em colaboração com o elenco -, trazendo elementos cotidianos, como roupas, cadeiras e luminárias feitas com panelas, cujo manuseio no espaço, potencializam suas funções básicas, aproximando a lógica museal da prática pessoal.
A poética do acúmulo espelha a realidade dos guardados de memória e restos da gente. Mais do que apresentar situações, a dramaturgia da peça elabora perguntas criando fissuras para a reflexão que se dá, literalmente, em movimento. Tal qual a invasão de um vírus que acaba por desestruturar uma pretensa ordem e fragilizar sujeitos, estas perguntas são, ainda, lançadas através de projeções, criadas também por Lobo, as quais compõem a paisagem da encenação ao passo que convocam o público a se posicionar.
Os recortes, as cores e os desenhos de luz, também auxiliam nessa mobilização do espectador-curador, assim como a trilha, assinada por Roquildes Junior, que abusa de texturas sonoras para provocar sensações e criar densidades diante de situações que povoam o imaginário coletivo, a exemplo de homenagens que o grupo faz a ancestrais LGBTQIA+, como Jorge Lafond e Ney Matogrosso.
Com produção assinada pelos integrantes do CORRE (Anderson Danttas, Luiz Antônio Sena Jr e Rafael Brito), o processo de criação da peça Museu do Que Somos iniciou em maio de 2022, através de laboratórios cênicos e dramatúrgicos realizados na Casa Teatro (em Santo Amaro-BA), e, dos encontros de reflexão e prática afirmativa com homens gays, realizados ao longo do mesmo ano, através do projeto Corre Pra Sentir. No ano seguinte, a pesquisa foi dinamizada a partir da ocupação do Laboratório de Experimentações Estéticas do Museu de Arte da Bahia (MAB-BA) e, posteriomente, do Centro Cultural Makota Valdina, além de passear pelas residências (museus particulares) dos integrantes do CORRE e de realizar uma experiência cênica no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), integrando o evento Primavera dos Museus.