Bem vinde!

De origem tupi, “Sambaqui” significa amontoado de conchas e descreve montanhas formadas por cascas de moluscos e objetos, e foram erguidas pelos povos originários no Brasil. Nos sambaquis digitais do FIAC, os materiais compartilhados  transitam pelo passado (repertório, trajetória, ancestralidade), presente (artefatos, questões, composições e performatividade) e futuro (legado, camada, flecha) de artistas, grupos e obras da nossa programação.

Sim, você está no no sambaqui de Glicéria Tupinambá, artista da programação 2021 do FIAC Bahia. Aqui você poderá cavar e descobrir camadas de Muatiriçawa upé Assojaba Tupinamabá / Manto Tupinambá em movimento, que nos coloca em contato com a terra e com a cosmologia do povo Tupinambá da Serra do Padeiro, na Bahia. O manto guia sua experiência de aproximação com histórias de (re)existências. É uma viagem para dentro, de re-conexão com a vida, com o Brasil.

Muatiriçawa upé Assojaba Tupinamabá é o ponto de partida para o sambaqui de Glicéria Tupinambá. No dia 26/10, às 19h08, a artista esteve com a gente ao vivo, apresentando ao público virtual do FIAC os segredos desvendados por este Manto Tupinambá em movimento. Esse espetáculo de estreia do FIAC foi no ambiente imersivo, numa experiência dentro da Galeria Digital do Festival.

Nosso convite é para você vivenciar aqui o sambaqui de Glicéria Tupinambá; espaço vivo que nos atualiza sobre a história recente de luta pelo reconhecimento da identidade e da terra indígena dos Tupinambá.

 

Olhar para dentro. Falar com o manto.
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Olhar para dentro. Falar com o manto.

O manto sagrado tupinambá foi confeccionado entre fevereiro e agosto de 2020, em plena pandemia da Covid-19. Durante esse período da pandemia, houve certa calmaria na aldeia, o que permitiu ter esse olhar para dentro. Foi então o momento ideal para confeccionar o manto.

Trata-se de uma obra baseada no manto tupinambá que data do século XVI e que está conservado na reserva do Museu do Quai Branly, em Paris, na França. O manto que se encontra no museu tem 99 centímetros de altura e 121 centímetros com o capuz. A parte maior da largura (extremidade inferior do manto) mede 119 centímetros e a parte menor (extremidade superior, ombros), 42 centímetros. O manto foi feito a partir de uma base de algodão, onde foram colocadas penas vermelhas, algumas com extremidades pretas.

Da mesma forma, o manto confeccionado em 2020 seguiu esse modelo, partindo de uma base de cordão de algodão cru encerado com cera de abelha tiúba da aldeia, sobre a qual foram colocadas aproximadamente 3.000 penas. A base de algodão foi trançada seguindo a técnica de tecelagem do jereré, ferramenta de pesca utilizada pelos anciões da aldeia.

O manto é composto de duas partes: a capa, levemente arredondada na parte de baixo, e o capuz. Essas duas partes foram juntadas para formar uma peça só. As medidas deste manto são 88 centímetros de altura e 121 centímetros com o capuz. A extremidade inferior (a parte de maior largura) mede 120 centímetros e a extremidade superior (ombro), 47 centímetros. Embora ele tenha sido confeccionado baseando-se nas medidas do manto conservado na França, as medidas foram ajustadas para ele ser usado pelo cacique da nossa aldeia, o cacique Babau (Rosivaldo Ferreira da Silva).

O novo manto confeccionado possui aproximadamente 3.000 penas, sendo 2.500 penas na parte da capa. A cor predominante é o marrom, e é composto de penas de aves nativas da região, que se encontram na aldeia: galinha, galo, gavião, pato, peru, pavão, tururim, sabiá-bico-de-osso, canário-da-mata, gavião-rei, gavião-perdiz e arará (na parte do capuz). O centro do capuz contém uma semente de jequitibá.

Este manto representa para nós, Tupinambá, a revitalização da nossa cultura, da nossa língua, dos nossos fazeres, das nossas técnicas. O manto vem desvendando segredos. A confecção do manto traz saberes guardados pelas mulheres tupinambá: tecelagem, trançagem, uso de vários utensílios (principalmente a agulha de tucum), preparação do cordão feito de algodão (antigamente era no fuso) com cera de abelha. Embora o manto tenha sido feito por mim, a confecção envolveu todas as pessoas da comunidade, das crianças aos anciões: na busca das penas, na coleta da cera de abelha tiúba e no ensino das técnicas de tecelagem por anciões da comunidade.

A confecção do manto reavivou então muitas memórias. O manto tem uma linguagem própria, uma personalidade própria. Ele nos revela uma maneira de se camuflar, de se esconder, de conseguir passar despercebido por dentro da mata. Segundo o cacique Babau, ao vestir o manto, ele consegue se camuflar e se sente como se fosse uma coruja. A coruja representa para a gente os olhos da noite. Ela é a guardião da noite. É um símbolo muito forte.

O interessante é comparar uma obra que está dentro do museu, parada, e ver a peça tendo vida e movimento – neste caso, ver o manto sendo usado por um membro da comunidade, o cacique, durante um ritual. É uma emoção muito grande. Ory, meu filho caçulo, disse que, quando o cacique usar o manto, ele permitirá a cura do mundo, ao afastar todas as doenças. Tudo de ruim será eliminado, porque o cacique se transformará em um super-herói.

A confecção do manto tem então também uma simbologia política forte. Sabemos que existem mantos tupinambá em vários lugares e que temos dificuldades de acesso a eles. Até agora, tivemos acesso de forma presencial a apenas um manto, o já referido manto conservado na reserva do Museu do Quai Branly, na França. Poder ter acesso ao manto foi fundamental para que ele pudesse começar a falar comigo. O manto conseguiu se abrir para mim e eu consegui fazer minhas observações e ter algumas percepções para que pudesse confeccionar outro manto. Foi importante trazer vida para o manto e mostrar que não era aquela coisa obsoleta, guardada em um canto, só para ser observado e ir se deteriorando com o tempo. Os mantos têm uma vida e um propósito dentro do seu povo. Este é o retorno do manto.

Manto Tupinambá é um texto publicado no website do projeto Um Outro Céu

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O que são os “encantados”?
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O que são os “encantados”?

São os guardiões da natureza, surgem com a criação do mundo.

Tupã, a força do trovão, do céu. Jacy, a Lua, clareia o caminho para as mulheres, durante a noite.

Coaracy ilumina durante o dia. As Iaras são guardiãs das águas.

Caiopora e curupira nos guiam nas matas. Eles zelam para que haja um equilíbrio sobre essas terras.

Glicéria.

 

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"Para nós de Serra do Padeiro, o manto lá é como uma condenação para os europeus...
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"Para nós de Serra do Padeiro, o manto lá é como uma condenação para os europeus...

…a pena deles é cuidar dos vestígios do povo tupinambá. Mas queremos que eles abram espaço para receber os povos indígenas, para que possamos também ter contato com as pegadas do nosso povo”

A volta do manto tupinambá

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Kwá yapé turusú yuriri assojaba tupinambá
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Kwá yapé turusú yuriri assojaba tupinambá

Glicéria Tupinambá esteve em Brasília este ano para participar da Marcha das mulheres indígenas contra a tese do Marco Temporal e em defesa da vida. Aproveitou a estada para inaugurar a exposição

Kwá yapé turusú yuriri assojaba tupinambá = Essa é a grande volta do manto tupinambá

A mostra, contemplada com o Prêmio Funarte Artes Visuais 2020/2021, ficou em cartaz até 17 de outubro na Sala Galeria Fayga Ostrower, na Funarte Brasília – com obras de Edimilson de Almeida Pereira, Fernanda Liberti, Glicéria Tupinambá, Gustavo Caboco, Livia Melzi, Rogério Sganzerla e Sophia Pinheiro.

No FIAC, o manto vira imagem digital projetada em construções emblemáticas de Salvador, num diálogo com o mundo dos Encantados, com a cidade e com os territórios digitais.

A performatividade de sua projeção ganha ainda exposição no museu digital que abrigará a cerimônia de abertura do FIAC Bahia 2021.

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Como lutar e puxar o facão, botar a borduna mesmo!
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Como lutar e puxar o facão, botar a borduna mesmo!

Minha mãe pra mim é uma referência
Tem o cacique
O cacique é Babau
Tem o pajé
Que é seu Lírio

Mas todas as decisões
Tudo gira em torno da veia Maria (mãe de Glicéria Tupinambá)

Mainha
Geralmente são as mulheres que são as pensadoras
Aquela que vai saber, que vai sentir o que uma criança vai sentir
O que outra mulher vai sofrer…
São sempre as mulheres,
São sempre as anciãs que serão sempre ouvidas.
O homem vai conduzir uma luta depois que as mulheres pensaram, depois que as mulheres sentiram.

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audiovisual... vozes
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audiovisual... vozes

Glicéria Tupinambá dirigiu “Voz Das Mulheres Indígenas” (17min., 2015), que reúne depoimentos de mulheres indígenas da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas acerca de suas trajetórias no movimento indígena. Desde então, Glicéria continua trabalhando na área audiovisual, realizando vídeos junto com o grupo jovem da comunidade.

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Amarrar o mal e levar para longe da gente, para nós continuar existindo como Povo
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Amarrar o mal e levar para longe da gente, para nós continuar existindo como Povo

A mulher,
a pajé,
a parteira,
a benzedeira,
que respeita a essência da terra,
que respeita a natureza,
Esta sim! Esta vai dar prosperidade, continuidade.

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Glicéria Tumpinambá (Glicéria Jesus da Silva) é uma das lideranças da aldeia Serra do Padeiro (Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia).
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Glicéria Tumpinambá (Glicéria Jesus da Silva) é uma das lideranças da aldeia Serra do Padeiro (Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia).

É professora no Colégio Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro (CEITSP) e cursa licenciatura Intercultural Indígena junto ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA).

Com Cristiane Julião, do povo Pankararu, dirigiu o documentário Voz das Mulheres Indígenas, premiado pelo público do Festival Kurumim em 2017. Desde então, continua trabalhando na área audiovisual, realizando vídeos junto com o grupo jovem da comunidade.

Por sua atuação na luta pela terra, em 2010, foi encarcerada, junto ao seu bebê de colo, o que suscitou veementes críticas de entidades do Brasil e do exterior. Em 2019, pronunciou-se na 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, denunciando as violações de direitos contra povos indígenas pelo Estado brasileiro.

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Vamos pisar na terra.
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Vamos pisar na terra.

“Nós tá lá no Nordeste, na resistência, porque não acaba, não acabou e nem vai acabar, nós povos indígenas de nenhuma nação, de nenhuma etnia, porque nós prevalecemos, nosso sangue é forte, nossa cultura é forte, nossos encantados é forte. Nós é o guardião dessa terra.

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De dimensões físicas reduzidas, é gigante a importância simbólica e cultural deste objeto que não somente conversa e orienta, mas é uma fonte inesgotável de sabedoria para os Tupinambá.
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De dimensões físicas reduzidas, é gigante a importância simbólica e cultural deste objeto que não somente conversa e orienta, mas é uma fonte inesgotável de sabedoria para os Tupinambá.

“Com base em uma fotografia do manto que está na Dinamarca, a jovem Glicéria decidiu confeccionar uma réplica para presentear os Encantados na festa no dia 19 de janeiro de 2006. Contando com a ajuda de Zizinho (Wellington de Almeida) e com o apoio de toda a comunidade e orientação dos mais velhos,foi aprendendo as técnicas de confecção do manto. Adquiriu o fio de algodão cru, que seria encerado com cera de abelha e trançado na técnica do jereré, que ainda hoje é usada para confecção das redes de pesca. O trançado modelou a estrutura onde são presas as penas do manto. Pela raridade do pássaro guará nos tempos atuais, foram usadas penas de pássaros que podem ser encontrados em seu próprio território e que fazem parte da vida cotidiana dos Tupinambá, como pavões, gaviões, corujas, patos e galinhas”.

“Diferente dos outros seis mantos emplumados do século XVI que estão nos museus europeus, considerados “joias do colecionismo”, o manto do século XXI não é mais encarnado, mas tem os tons da terra e da mata do território Tupinambá, entre marrons, beges, brancos e verdes azulados”.

“Para nós de Serra do Padeiro, o manto lá é como uma condenação para os europeus, a pena deles é cuidar dos vestígios do povo tupinambá. Mas queremos que eles abram espaço para receber os povos indígenas, para que possamos também ter contato com as pegadas do nosso povo”

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A resistência Tupinambá, agora em quadrinhos
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A resistência Tupinambá, agora em quadrinhos

Os donos da terra aborda, na forma de HQ, episódios históricos e recentes da luta indígena no sul da Bahia. Em sete narrativas, viagem pela memória social, e cosmologia de um povo que está reconquistando, de modo autônomo, seu território ancestral

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Carregamos naturalmente em nossos corpos, anga (alma), cosmologia, luta e os princípios de que um outro mundo é possível.
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Carregamos naturalmente em nossos corpos, anga (alma), cosmologia, luta e os princípios de que um outro mundo é possível.

“Ory, meu filho caçula, disse que quando o cacique usar o manto, ele permitirá a cura do mundo, ao afastar todas as doenças. Tudo de ruim será eliminado, porque o cacique se transformará em super-herói”. “Este é o retorno do manto”.

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